terça-feira, junho 05, 2001

Do Cairo a Palmira, Egipto, Jordânia e Síria

A península do Sinai é uma região milenar de movimentos de peregrinação na direcção da Terra Santa no qual o monte Sinai (jebel Musa, 2285m) representa uma referência importante.
A sua ascensão é realizada em carreiros suaves durante a madrugada e fiquei surpreso de ver dezenas de camelos transportando peregrinos de todas as idades até perto do cume. Outros tinham feito a ascensão na véspera e dormiam em saco cama à espera do nascer do dia. Mal o sol despontou aglomeraram-se sobre os diversos rochedos apreciando a forte luminosidade. Havia grupos de igreja provindos dos vários continentes, inclusive um japonês, chefiados por párocos que recitavam orações com grande devoção.
Visitei o mosteiro de Santa Catarina, situado na base do monte Sinai, que é um oásis de religiosidade cristã nesta vasta região desértica. Este mosteiro foi fundado no séc IV pela imperatriz bizantina Helena e tem sido ocupado por monges ortodoxos gregos. Está rodeado por uma elevada muralha que servia de protecção dos residentes e dos peregrinos que aí repousavam. A antiguidade dos objectos que se encontram dentro da igreja deixou-me surpreendido. Gostei particularmente dos enormes e pesados queimadores de incenso que pendem do tecto e dos inúmeros ícones que forram as paredes. A maioria dos visitantes arranca uma folha de um arbusto situado detrás da igreja que se supõe ser aquele que Moisés viu incendiar-se.
No caminho para o desfiladeiro Branco visitei um rochedo com inscrições de várias épocas e alfabetos realizadas por peregrinos que atravessavam as montanhas desérticas.
Apreciei o interior serpenteante do desfiladeiro e as suas interessantes formas arredondadas provocadas pela erosão da água ao longo de milénios. Ele desemboca num vale onde se situa o esplêndido e muito encantador oásis Ein Rhodra. Este oásis possui nascentes que permitem encher tanques de água cristalina e irrigar o arvoredo em redor. Aqui habitam três famílias de beduínos que dão guarida a todos os viajantes que passam. Dormi sob as estrelas e acordei com o agradável chilrear de múltiplas aves que saltitavam à minha volta.
Atravessámos o Sinai fora de estrada e descemos um longo desfiladeiro que desemboca na longa praia Ras Abugalum na margem do mar Vermelho. Aí fiz a travessia, sob as elevadas montanhas costeiras, até à localidade seguinte, num aprazível percurso de poucas horas à beira deste mar verde esmeralda. Passei alguns abrigos de pescadores situados em enseadas e vales pedregosos e segui a margem rochosa que ondula contornando falésias e promontórios.
Atravessei o mar Vermelho para Aqaba e segui para a aldeia de Rum, situada na borda do célebre deserto onde se refugiou Lawrence. Esta região é conhecida pelos seus belíssimos promontórios rochosos, desfiladeiros e a sua areia dourada.
Caminhei por estreitas gargantas onde se avolumam dunas contra as paredes rochosas de elevadas falésias. A superfície da rocha é dotada de esplêndidos padrões criados pela erosão do vento canalizado nestes corredores. Mais à frente desemboca-se num largo vale onde encontrei mulheres nómadas vestidas de preto pastando burros e cabras nas raras giestas. Por perto havia grandes tendas onde habitavam.
Depois continua-se ora por espaços amplos muito panorâmicos, ora por entre uma geografia mineral cheia de curiosas formas onde se incluem curiosos arcos de rocha.
São de intensa beleza o crepúsculo e a alvorada onde os rochedos adquirem tonalidades admiráveis e vão variando consoante a intensidade do sol.
Dormi sempre ao relento apreciando o céu densamente estrelado e a passagem de estrelas cadentes, que deixam um rasto muito luminoso, são muito frequentes.
A fauna é escassa devido ao clima e dizem-me que podem encontrar-se ibex, chacais, cabras selvagens, águias e abutres, e que o gato das areias é estritamente nocturno.
Viajando mais para norte, cheguei à mítica cidade de Petra. No dia seguinte, passei o portão que conduz à garganta Siq às 6h. Atravessando os 1.2 km deste apertado desfiladeiro fui o primeiro a deparar com a impressionante fachada do Tesouro, Al Khazneh, inteiramente esculpido na rocha tal como todos os outros grandiosos monumentos de Petra. O requinte desta arquitectura bizantino-romana deixa-nos maravilhados sobretudo tendo em consideração a dificuldade em conceber estas fachadas escavadas de uma só peça!
Esta foi a fantástica capital do reino nabateu muito rico e poderoso no início da nossa era e que enriqueceu à custa das taxas alfandegárias impostas sobre o comércio de caravanas. Mais tarde viria a ser subjugado pelo império romano (séc II dC).
Subi ao alto do monte Al-Madbah onde se situa o Sacrifício e donde apreciei um largo panorama da geografia da cidade. Esta é composta por uma sucessão de elevadas falésias e promontórios onde a cidade foi escavada. Desci pela outra vertente por uma escadaria escavada na rocha e continuei muito interessado na descoberta dos inúmeros templos, palácios, habitações, túmulos e demais câmaras trogloditas que nos aparecem ao dobrar de cada esquina. Passando a avenida das colunas onde se encontram grandes templos nabateus e bizantinos, subi a longa uma escadaria que conduz ao mosteiro, Al Deir (séc III aC), situado no alto de um monte em local recatado. Esta foi a fachada que mais me atraíu pela sua grandeza e imponência, e também por se encontrar em local tranquilo onde poucos turistas chegam.
No regresso passei pelos túmulos reais, percorri a avenida das fachadas e visitei o grande teatro (séc I dC) ao ar livre com sete mil lugares inteiramente esculpido na rocha!
Depois segui para Kerak onde visitei o seu grandioso e maciço castelo de cruzados construído no séc XII. Situa-se no topo de uma elevada colina e uma das suas muralhas eleva-se a 450m de altura. Passeio pelas suas diversas galerias e câmaras, algumas com inscrições do tempo dos cruzados e do período bizantino, e pelas muralhas donde apreciei um excelente panorama em redor.
Segui para o mar Morto onde caminhei na sua margem. Visitei a igreja ortodoxa de Madaba que alberga um excelente mosaico do séc VI dC e que representa um mapa dos locais bíblicos desde o Líbano ao Egipto. Subi o monte Nebo, do alto do qual supõe-se que Moisés tenha avistado a Terra Prometida. É o local cristão mais venerado da Jordânia. O seu pequeno mosteiro do séc VII contêm amplos e belos mosaicos dessa época onde se observam cenas de trabalho rural com vegetais e animais, muitos já extintos: leões, panteras, ursos e raposas.
Continuando para norte, visitei Jerash, uma muito interessante e bem conservada cidade romana do séc II. O seu teatro está inalterado e o seu fórum mantêm todas as colunas erectas. Passeamos nas suas elegantes avenidas calçadas ladeadas de colunas e visitei o arco triunfal de Adriano, o hipódromo, o grande templo de Zeus, o ninfeu (chafariz), os banhos e muito mais.
Depois atravessamos a fronteira para a Síria, e desviamos para Bosra. Esta vila foi a capital do norte do reino de Petra no séc I dC. Toda a vila está construída sobre edificações romanas e é dominada pela cidadela onde se encontra o teatro, o mais bem preservado de todos os teatros romanos existentes e um dos maiores com os seus 15,000 lugares. Aqui também se encontram os banhos, o ninfeu, as calçadas romanas ladeadas de colunas, etc. Os seus templos são de grande antiguidade tais como a mesquita de Omar (séc VIII), uma das mais antigas no Mundo, o mosteiro do séc IV e a basílica, muito arruinada, do séc VI.
Na antiga Damasco, no interior das espessas muralhas romanas atravessadas por grandes portões, visitamos o interessante Museu Nacional que tem a fachada de um palácio-castelo do deserto do séc VII. As antiguidades que apresenta são imensas e variadas e algumas remontam ao séc XIV aC. Seguimos para a monumental mesquita Omaiada (séc III dC) que é metade mesquita e metade igreja e que por este motivo possui uma interessante história. Aqui se encontra o mausoléu de Saladino, o conquistador egípcio de Damasco (séc XII). Perto visitamos o elegante palácio Azem, a residência do governador otomano. Caminhamos ao longo da rua direita através do curioso bairro cristão visitando as históricas igrejas de São Ananias e de São Paulo. Continuamos para a bonita mesquita Teikieh Suleimanieh (séc XVI) na margem do rio Barada. Ao lado situa-se um antigo caravanserai otomano do séc XVI que é hoje um pitoresco mercado de artesanato.
Chegamos finalmente a Palmira, a célebre cidadela romana fundada no séc II dC, um dos mais ricos e completos locais arqueológicos romanos da actualidade. A cidade foi muito próspera devido ao comércio das caravanas que demandavam o Mediterrâneo provindas da Ásia central, e também por ter sido um importante ponto de defesa do império romano contra o poderio dos persas. Nos seus actuais 50ha, oferece-nos uma grande variedade de interessantes edificações e de arte, a destacar os grandes templos, a longa avenida ladeada de colunas, o grande teatro, o agora ou fórum, as torres funerárias, o arco triunfal, os tetrapilões. Visitamos o museu que apresenta uma excelente colecção de estatuária. Ao longe veremos o enorme castelo árabe do séc XVII no alto de uma colina.
Depois partimos para outro dos grandes monumentos desta viagem: o Krak des Chevaliers.
Esta imponente e massiva fortaleza de cruzados do séc XII tinha um importante papel estratégico no controlo do tráfego entre o Mediterrâneo e o interior do País. O seu estado de conservação é notável e aí se fundem os estilos franco e árabe. Ainda hoje poderemos apreciar os grandes caldeirões donde se vertia o óleo em ebulição sobre o invasor.
Mais locais visitaremos nesta viagem pelo que não é possível descrever com fieldade a enorme riqueza que ela nos irá oferecer.
Acresce que, no seu decurso, houve momentos especiais que me marcaram bastante mas que não correspondem a algum dos grandes atractivos de nome sonante.
Destaco a dormida no oásis de Ein Rhodra. É quase o que vemos nos filmes com a diferença de que este é bem real. Situa-se numa zona muito desértica e agreste, e o bem-estar que senti quando aí cheguei foi marcante. Gostei de dormir ao relento e de acordar à primeira luz com dezenas de aves à minha volta, que não se assustaram com o meu olhar e que observei longamente.
Os longos crepúsculos no Wadi Rum, à beira de uma fogueira, são outros momentos de grandes tranquilidade e beleza que muito apreciei.


Gonçalo Velez
Junho 2001

quarta-feira, maio 30, 2001

Kangchenjunga, 8586m


We finally reached Kathmandu this morning after a whole night of driving, and following a 3 days strike that paralyzed the Country and forced us to vegetate in a lousy hotel somewhere in the SE.
Our expedition to Kangch
enjunga (8586m) was a success with 4 of us on the summit on May 15.

We were initially 8 climbers:
Piotr Pustelnik, 49, Polish, leader, Marty Schmidt, 40, USA, Hector Ponce de Leon, 34, Mexico, Araceli Segarra (f), 32, Spain, Markus Stofer, 34, Swiss, Brian Du
thers, 32, Swiss, RD Caughron, 58, USA, and me, Gonzalo Velez, 42, Portugal, and additionally: Piotr Klepacz, 33, our doctor.
We reached the SW face BC on Apr 12. The view of the mountain was impressi
ve at first sight because it all seemed so complicated due to the wide fractured glaciers that hanged from the "Great Shelf" (7100m) and from the "Hump" (6300m). Camp 1 was installed finally on Apr 21.
Due to the persistent weather difficulties our Camp 2 would be put up by May 2 at 6900 meters. By then Markus had abandoned our expedition because he was not psychologically prepared to the complication of frequently doing the trail and the extension and harshness of the route.

The weather was very difficult because it snowed
every afternoon sometimes about 20cm which caused our trails on the mountain to disappear. We had to do them again anew in the following climb. In addition we were the only team on the mountain.
Later on RD [RD Caughron, 58, USA] also abandoned due to poor health and fear that his heart might "fail" creating us rescue pro
blems.
We left BC on May 8 with the intention to continue to the summit.
On May 10 we were at Camp 2 but did not foresee the fact that we had not yet found a way through the seracs onto the Great Shelf.
On May 11 we tried without
success and on May 12 we found a very simple way through.
On May 13 we traversed the Great Shelf and camped at 7600 meters inside a crevasse! We took 2 tiny tents and slept with a lot of discomfort: Piotr, Brian and me in one, Araceli, Hector and Marty in t
he other.
Next day my group decided to move the tent 200 meters up to 7800 meters and become closer to the summit.
On May 14 Marty left his tent at 23h and passed by ours by 2h. He took a long time due to deep snow. We were also getting prepared and Brian left by 2h30, me and Piotr by 3h (we can't all get ready at the same time in such a small tent designed to 2 persons!).
Hector and Ar
aceli left by this time but unfortunately they could not warm their feet and worried with the consequences decided to descend.
We spent the morning going up the "Gangway", the 45 degrees couloir that leads to the West ridge. By 8h the weather started
deteriorating with the wind intensifying and the visibility decreasing. We then diverted to the normal route couloir but it revealed having too much accumulation of snow. Then we retreated to and climbed the Gangway to its end and followed the West ridge to the summit which we reached by 14h.
We all descended safely although some of us still have some numb toes and fingers.
No serious frostbite occurred.


Gonçalo Velez

Kathmandu, 30.05.01

PS: Only Piotr Pustelnik used oxygen to reach the summi
t.




quinta-feira, abril 05, 2001

Lua de Mel

Na lua de mel diz o noivo para a noiva:
- Querida, tenho um segredo para te contar. É que eu sou daltónico!
- Querido, - diz a noiva - também tenho um segredo para te contar. É que eu não sou sueca, sou cabo-verdiana!

terça-feira, janeiro 09, 2001

Annapurna (8091m), Primeiro 8000 Português














Em 1991 tive o privilégio de me tornar no primeiro português a escalar um cume com mais de 8000m, o Annapurna, subindo por uma via de grande categoria: a via Bonington na face sul.
Digitalizei o relato que fiz para a Grande Reportagem, edição de Dez 1991, que podes ler em ficheiro pdf. Clica aqui, depois clica em "download".

Gonçalo Velez