quarta-feira, dezembro 12, 2007

Lavar os Dentes em Sama

(clique nas imagens para ampliar)






















No início da minha expedição ao Manaslu nos Himalaias do Nepal em final de Agosto 2007, voámos num helicóptero de carga russo de Pokhara para a aldeia de Sama (3600m), a um dia de marcha do acampamento base.
Depois de descarregada a carga e a bagagem que foi transportada por carregadores para uma estalagem na aldeia, atravessei o ribeiro defronte do local de aterragem e segui um carreiro.
Cheguei a um chafariz onde se juntavam um grupo de cria
nças a lavar os dentes!
Tinham sido enviadas pelos professores e estavam muito divertidas cumprindo com essa tarefa.
Adoraram ser fotografados, e depois conduziram-me à escola.
Eram uns quinze, um grupo muito animado, que me levaram à sala onde guardavam as escovas no rés do chão. Os professores, um homem e uma mulher não pareciam achar muita graça à expansividade dos garotos
, e mantinham-se contidos, provavelmente devido à presença do estrangeiro.
Cada aluno tinha um prego espetado na parede com o seu nome onde pendurava a escova de dentes.
Percebi que eles residiam na escola pois as famílias morariam a horas de distância a pé.
Foi muito divertido!

segunda-feira, dezembro 10, 2007

quarta-feira, outubro 31, 2007

Carta ao Ministro da Saúde
















Venho alertar-vos para a indisciplina tremenda que se faz sentir no sistema de saúde português, tanto público como privado e que se traduz sobretudo na grave falta de pontualidade dos prestadores de serviço!
Os médicos demonstram uma enorme falta de respeito pelos utentes por raramente cumprirem os horários.

Os serviços estão organizados para desperdiçarem uma quantidade enorme de tempo aos utentes. É habitual perder-se uma tarde inteira ou uma manhã para se ter uma consulta.
O sistema já encara este desperdício como normalidade.
Em Portugal, a população não tem outra solução senão conformar-se com este estado inaceitável de deficiente organização dos serviços de saúde.
Subscrevo um seguro de saúde privado e, no hospital que utilizo (CUF), a falta de disciplina é idêntica, a mentalidade de médicos e de funcionários é quase igual ao do sistema público.
Este hospital nem sequer tem um processo de auscultação da opinião dos utentes. Já quis reclamar e não soube a quem dirigir a minha mensagem. Já o fiz pelo menos uma vez e nunca obtive uma resposta.

O País está a desperdiçar milhões de horas de trabalho com a indisciplina atroz que reina no mundo da saúde em Portugal!

A nossa produtividade poderia ser largamente beneficiada, e o desenvolvimento nacional muito acrescido, caso V Exa conseguisse inverter o estado de coisas que exponho acima.



terça-feira, outubro 30, 2007

Lembrando o Bruno e o RD


Na primavera de 2002 participei numa expedição ao Makalu (8470m).
Nas primeiras duas ascensões escalei com o RD Caughron, americano de Berkeley (Califórnia) com 58 anos de idade, um b
em sucedido gestor de sistemas
informáticos. Pessoa sociável e divertida, que lia a The New Yorker, e com quem conseguia ter conversas para lá da esfera do montanhismo.
Na nossa segunda ascensão o RD falava-me muito no Makalu La, o colo a 6900m que teríamos de dobrar para montar o C2 (7400m).
No dia em que acordámos no C1 (6500m) para seguirmos para o C2, ele acordou mais cedo do que é normal e falava-me entusiasticamente em irmos dormir ao C2. Como ainda não havia um trilho,
nem cordas, nem um reconhecimento desse itinerário, respondi-lhe friamente de que talvez não fosse boa ideia irmos carregados sem sabermos se lá chegaríamos.
Após muita insistência dele, lá carregámos uma tenda, sacos-cama, gás, panelas, fogão, alimentos, etc preparados para acampar no C2.
Nesse dia alguns alpinistas com os seus sherpas subiam ao Makalu La e montavam-se cordas. Nós subíamos lentos.
Por volta das 16h os sher
pas e os demais alpinistas ocidentais começaram a descer. Tinham fixo as cargas a amarrações e desciam alegando que as cordas fixas não chegavam ao cimo do corredor.
Continuámos lentos e sentindo algum cansaço, mas com capacidade para continuarmos por mais horas, até que atingimos o extremo da última corda.
O RD mantinha uma enorme teimosia em continuar!
Eu informei-o de que não seguia e que a minha decisão era a de descer para o C1.
Expliquei-lhe que estávamos carregados e cansados, que a neve no corredor a 45º tinha pouca consistência e sem cordas fixas constituía um risco acrescido, que o dia já ia longo e nós escalávamos
lentos e arriscávamo-nos a não atingir o topo do colo antes do caír da noite, que ainda para mais não tínhamos a noção da distância que nos separava do C2 nem das dificuldades que poderíamos enfrentar.
O RD concordou com tudo o que lhe expus, mas… decidiu que continu
ava!
Tentei convencê-lo a descer comigo: “é melhor jogar pelo seguro, amarramos aqui as cargas, descemos agora, e amanhã regressamos para tentarmos subir ao Makalu La”.
Eu estava perante um alpinista experiente que realizava pelo menos a sua quarta expedição a um cume de +8
000m. Tinha-lhe explicado as razões do meu abandono e ele percebeu-as. Sabia certamente quais as consequências dos riscos que lhe falei, e nada mais pude acrescentar.
Senti-me vagamente culpabilizado por abandoná-lo, mas sabia que a minha decisão era claramente baseada na prudência, e a dele baseada na obstinação ce
ga e no desvario.
Nada mais pud
e fazer…
Cheguei ao C1 era noite cerrada.
No dia seguinte às 8h, o italiano Fabriano vem ter comigo à tenda dizendo-me que o RD estava “morto”.
Os dois suíços, os únicos que tinham dormido no C2, tinham descido e passado por ele. Estava sentado n
uma rocha, uns 20m do local onde nos tínhamos separado. Tinha o casaco aberto e as mãos nuas, o saco cama tinha desaparecido, e aparentava estar em coma. Os suíços acharam que não tinham meios de ajudá-lo.
Nessa manhã o vento intensificou-se muito. Mesmo assim, o eslovaco Martin ainda tentou subir com medicamentos, mas acabou por desistir por cansaço e pelo estado do tempo que se agravava.


A conclusão que desejo apresentar deste episódio é a de que escalar cumes com mais de 8000m é uma actividade altamente exigente reservada a alpinistas muito experientes, que possuem total autonomia no campo técnico, físico e psicológico.
Esta é a disciplina mais elevada do alpinismo em todos os aspectos!
Se decidem participar neste tipo de actividade arriscam a vida, e fazem-no sobretudo com consciência dos risc
os objectivos e subjectivos envolvidos.
Em suma, sabem que podem morrer por via das suas próprias decisões e act
os. Cada alpinista é um ente autónomo, que faz parte de uma equipa, é certo, mas que tem iniciativa e vontade próprios.
Como em qualquer actividade onde se quebram barreiras e se ultrapassam as marcas estabelecidas, nos Himalaias não há regras definidas
e cada qual conhecendo os seus limites (ou julgando conhecê-los) procura exceder-se através do esforço
e da inovação.
É muito difícil con
testar à priori a iniciativa de um alpinista. Há feitos excepcionais que resultaram de ideias aparentemente “loucas” e que a maioria à priori condenou.
A única coisa que o João Garcia poderia ter feito junto do Bruno Carvalho no Shishapangma quando se cruzaram perto do cume, num episódio idêntico ao que exponho acima e ocorrido há um ano, seria aconselhá-lo a ter cuidado e a perder o menos tempo possível.
O atraso do Bruno nada de errado poderia denunciar.
E se algo de errado se passava com ele, teria de ser o próprio a saber decidir renunciar.
Se ele atentava um 8000m tinha de estar à altura das exigências da tarefa, em todos os seus aspe
ctos mais críticos.
A equipa que ele integrava não era uma equipa enquadrada por um guia como a
contece nas expedições comerciais. Mas, mesmo nestas, o guia acompanha para coordenar a equipa e decidir a táctica. Não acompanha para “tomar conta” dos clientes.
Já me atrasei em diversas situações, como para tentar recuperar a circulação num polegar ou estar 30 minutos a tentar abrir uma abertura de velcro na traseira das calças para poder obrar a 8400m!
O Bruno tinha de ter
a capacidade de decidir se estava capaz de prosseguir, e até onde.
Decidiu prosseguir, e provavelmente decidiu bem, por que se sentiria em boas condições.
Errou na descida do cume e infelizmente pagou com a vida.
Ninguém o
poderia ter evitado, só ele.

Gonçalo Velez


PS: Dias depois de escrever o texto acima, encontrei-me com o João que acrescentou dois dados:
a) Acordou com o Bruno, quando se separaram, que este teria como limite de horário as 14h para dar meia volta e descer;
b) Entregou-lhe o telefone de satélite para ele poder comunicar com o acampamento base, e daqui poderiam comunicar por rádio para o João no C3, caso o Bruno precisasse de ajuda.

Nota: É inacreditável existir gente que opina
sobre assuntos delicados e sérios, sem nada conhecer do assunto, tanto da matéria, como do contexto em que a acção ocorreu. Revelam ignorância e má fé!
O editorial do último panfleto da Federação de Campismo de Portugal (nº 15, Jul-Ago-Set 2007) é disso um exemplo flagrante e de muita gravidade.
Demonstra uma grande irresponsabilidade no que pretende questionar, não apresentando quaisquer fundamentos objectivos para tal.

































domingo, agosto 19, 2007

Manaslu, 8163m


Vou partir em Ago 25 para o Nepal para escalar o Manaslu, 8163m.
Em Kathmandu embarcaremos num helicóptero de transporte russo, em Ago 30, para voarmos para Sama, 3450m, uma aldeia situada um dia de marcha antes do acampamento base. Este voo poupar-nos-á uns 8 dias de caminhada.
O período de escalada decorrerá de Set 4 até Out 8. Teremos de montar e equipar 4 acampamentos de altitude (5900m, 7000m, 7450m).
A adaptação à altitude demorará 3-4 semanas após as quais tentaremos o cume, no final de Setembro.
Conto mandar algumas notícias para o blog que criei,
http://manaslu2007.blogspot.com, e espero que os meus companheiros de equipa também o façam. Já lá existe alguma informação, fotos e mapas.
Regresso em Out 12.

segunda-feira, julho 09, 2007

Taxistas Aldrabões

Já é a segunda vez que oiço sobre taxistas que iniciam a viagem e se esquecem de ligar o taxímetro.
No final da viagem pedem um valor extra ao cliente para compensá-los do "esquecimento".
A realidade é que no final do dia entregarão ao patrão os valores registados no taxímetro e levam a diferença no bolso!!

terça-feira, maio 29, 2007

Viajando com os Tuaregues no Sahara, Líbia

Os qasr, celeiros fortifcados
Na estrada de Tripoli para sudoeste, a caminho de Gadamés, passamos por dois celeiros fortifica
dos muito interessantes.
Qasr Al Haj, o maior celeiro da Líbia, data do séc XII, e é um belo exemplo de arquitectura berbere, de planta circular. Servia para conservar e para proteger as reservas de alimentos da população da aldeia contígua.
Cada família possuía uma dispensa onde armazenava o aze
ite, em ânforas, e o cereal em células balizadas por madeiras.
Deambulei pelas ruínas da aldeia em r
edor onde muitas habitações ainda possuem cobertura.
O qasr tem 114 despensas com portas de madeira de tamareira, quatro pisos, onde se guardavam principalmente azeite em ânforas,
trigo e cevada. Deixou de ser usado em 2000.
Na entrada tem uma exposição muito interessante de uten
sílios antigos utilizados em casa e na cozinha, no trabalho agrícola e na guerra ou na caça.
A gestão do celeiro era realizad
a por um “secretário” que era a única pessoa autorizada a entrar no celeiro e a manusear os víveres.
O celeiro de Nalut, mais adiante na estrada
, situa-se num alto à beira de um promontório e está circundado pelas ruínas da antiga aldeia.
Esta região foi muito rica na produção de azeite e por isso possui dois lagares no centro da aldeia antiga, um dos quais activo até ao final do séc XX e quase intacto. A aldeia antiga está em ruínas, mas as suas três pequenas mesquitas estão conservadas. A mais antiga, reconstruída no séc XIV, tem curiosas inscrições em alto relevo nas paredes e nos tectos. Uma delas, um pé descalço, adverte os fiéis de que têm de entrar descalços.
O celeiro fortificado tem uma inscrição que indica ter
sido reconstruído no séc XIII. Tem uma planta irregular próximo do quadrangular, e o interior das muralhas de adobe e de pedra parece um bairro habitacional onde se circula em vielas muito estreitas subindo e descendo.
Possui 400 despensas, cada uma com reservatórios para cereal e grandes ânforas para azeite. Para subir-se aos celeiros dos níveis superiores estão cravadas no adobe pedaços de rocha protuberantes que servem de degraus. No topo dos edifícios sobressaem cotos de madeira de tamareira onde se pendurava uma roldana e de que se içavam as cargas.

Ghadamés

Junto à fronteira com a Argélia e a Tunísia, situa-se Ghadamés. Foi desde sempre um oásis de importância estratégica na rota
das grandes caravanas de dromedários que atravessavam o deserto provindas do Niger e do Mali e que se dirigiam para a costa. Foi durante séculos uma das mais importantes cidades caravaneiras de todo o Sahara aonde chegavam, vindos do sul, escravos, metais preciosos, marfim, sal, tecidos, especiarias, perfumes, etc.
Os romanos e os bizantinos que a dominaram já entendiam a importância da sua situação.
A cidade antiga é um ass
ombro de encanto e de surpresa: parece uma cidade subterrânea, mas não é! Estima-se que foi fundada no séc XIII por tribos berberes. Está envolta em muralhas, e as habitações de dois pisos encontram-se amalgamadas umas às outras ao longo de um labirinto de vielas cobertas onde se caminha longamente na penumbra.
O ambiente é
enigmático e insólito, e ao mesmo tempo belo por que se evolui ao longo de diversos tons de sombra desde a quase-escuridão à claridade.
A
cidade divide-se em dois bairros habitados cada qual por uma tribo, estas dando origem a sete grandes famílias. Por isso há sete vielas principais e o mesmo número de portões de entrada na cidade, mesquitas, escolas e de pracetas.
A arquite
ctura desta cidade está concebida para se suportar os quase 50ºC no verão: construção em adobe, poços de ventilação, pequenas aberturas para o exterior nos tectos.
Perto de cada mesquita a
s vielas abrem-se numa pequena praceta, um local de encontro com bancadas largas. Ainda hoje os anciãos vestidos de jelabas e de óculos com vidros espessos aí se sentam esperando pela companhia de alguém conhecido.
A cidade foi mand
ada evacuar pelo Estado que quis impor a modernidade e construíu outra ao lado. Infelizmente as novas casas não estão adaptadas aos rigores do verão! Todos os antigos moradores mantêm a propriedade das suas casas e muitos estão a restaurá-las visando um futuro benefício no âmbito do turismo pois a cidade está classificada como Património Mundial pela Unesco. Visitei casas em estado de abandono e apreciei as decorações antigas nas paredes, e subi aos terraços.
Todas as hab
itações têm um terraço pois a luz é recebida por uma abertura na cobertura.
O terraço é um espaço reservado à mulher, é o seu espaço de convívio com a vizinhas pois nã
o pode saír à rua ou ter contacto com homens que não são familiares.
O guia mostrou-me
como um homem e uma mulher batem à porta de uma casa de forma diferente para se fazerem anunciar. Se um homem batesse à porta e ela estivesse só, não poderia abri-la.
Também me mo
strou as decorações nas portas de famílias que tinham viajado para Meca para cumprir as suas obrigações religiosas: inúmeros pequenos pedaços de pano verdes e vermelhos pregados à porta.
Dentro das muralhas ainda há espaço para hortas, capoeiras e pequenos currais de cabras protegidos do sol implacável pela sombra de conjuntos de tamareiras.
Frente à entra
da principal da cidade está uma grande piscina de água transparente que provém de nascente e que é canalizada para todo o burgo por canais subterrâneos.
Junto de cada mesquita passa um canal e existem recint
os destinados às abluções antes da reza.

Os lagos U
bari
Surpreendentemente, as estradas
na Líbia têm um bom piso e permitem velocidades “elevadas”. Percorremos os cerca de 1000 km de Gadamés a Ubari, passando por Sebha, em perto de 8h.
Os lagos Ubari situam-se no meio do areal imenso e
estão envolvidos por grandes dunas. Antigamente eram uns dez, e hoje resistem três. Ao contrário do que se possa imaginar, o deserto interior da Líbia possui reservas subterrâneas de água doce em quantidades imensas. São reservas acumuladas ao longo de milhões de anos e cujos lençóis estão a poucos metros da superfície.
Não há dúvida
de que os oásis na região são muito férteis e verdejantes: observei muitas hortas no meio dos palmeirais e largos campos de trigo.
Os lagos Ubari eram habitados por um povo sedentá
rio que viveu em grande pobreza e subdesenvolvimento por ter escassas fontes de alimento. No lagos pescava uma artémia, um marisco do tamanho de uma pulga de praia, que era a base da sua alimentação.
Há vinte anos, os lagos começaram a conter mais sal do
que o suportável e estes habitantes tiveram de ser realojados.
A visão dos lagos no meio das areia
s é insólita. O mais longo tem cerca de 500m de comprido, e estão marginados de vegetação.
Restam ruínas de ha
bitações, bancadas de secagem dos crustáceos, algum poço tapado de areia, uma mesquita e tufos dispersos de tamarindos e de tamareiras, estas com metade do tronco mergulhado na areia.

O maciço de Maghidet
Para uma caminhada no deserto, procurava uma região pouco frequentada e tranquila. A Líbia ainda não tem muito turismo, mas todos os viajantes utilizam um jeep e vão querer cruzar as dunas, por que é excitante. O incrível é que estes trilhos demoram meses a desaparecer e isso reduz a sensação de isolamento. Um trilho que observo hoje parece ter sido sulcado horas atrás, mas provavelmente foi-o há semanas ou há meses, se não tiver havido grandes vendavais!
Assim, seleccionei o maciço de Maguidet, pouco conhecido entre os operadores de viagens.
Situa-se a sul de Ghat sobre a fronteira com a Argélia, no sudoeste do País.
Para realizarmos a caminhada precisávamos
de dromedários. Assim trilhámos uma região onde nos tinham dito que os pastos eram bons e onde permaneciam algumas famílias de nómadas.
Na realid
ade tinha bastante vegetação de giestas e de outros arbustos rasteiros. Mas, os nómadas não se encontravam perto dos animais e isso obrigou-nos a pesquisar vários quilómetros em redor.
Curiosamente, o nos
so motorista, o Mansoor, encontrou o seu dromedário fêmea favorito que acariciou longamente com emoção e a quem ofereceu pão duro! Ele tinha confiado os seus animais a uma das famílias, sua parente.
Os
primeiros nómadas que descobrimos não estavam disponíveis para nos guiar. Estávamos em Fevereiro e os dromedários tinham crias acabadas de nascer que mal se aguentavam nas patas, e eles não queriam abandoná-las.
Finalmente conhecemos um nómada que se dispôs a acompanhar-nos com dois dromedários, e marcámos en
contro para o dia seguinte à tarde. Ele ainda teria de percorrer várias horas a pé até ao local onde queríamos iniciar a caminhada.
O itinerário atravessa zonas rochosas com vales brandos cobertos de areia e de estepe, pequenas dunas com áreas de terra e inúmeros tufos de gramíneas, de giesta e de raros tamarindos raquíticos qu
e resistem solitários.
Notam-se os vestígios da água no centro destes vales pela diferença de coloração e pela vegetação mais densa. Em Janeiro caem chuvas torrenciais que formam verdadeiras torrentes no deserto e isso
está marcado nas longas lajes de rocha que foram postas a descoberto pelas águas.
Passámos alguns túmulos de nómadas construídos de pedra solta, únicos vestígios da sua existência milenar nesta região.
Atravessámos uma zona incrível que parecia uma imensa “floresta” de enor
mes monólitos desmoronados que se elevam acima de uma areia fina de cor laranja, criando a sensação de percorrermos as ruínas de uma cidade perdida!
A paisagem é muito insólita e cativante por que a tod
o o momento julgamos reconhecer formas de edificações. Ao longe estende-se um mar de elevadas dunas que se tornam alaranjadas no fim do dia.
O espec
táculo à noite, com a luz da lua, é quase irreal e muito belo.
Dormimos
sempre sob as estrelas após um jantar à fogueira. Tínhamos bastante tempo para conversar e os guias touaregues falaram da sua cultura.

Os Touaregues

O chá é uma instituição indissociável do seu quotidian
o. Logo no primeiro dia à chegada a Tripoli notei que na preparação do chá se concentravam sobretudo em criar uma espuma farta sobre a bebida. O chá no norte de África é preparado com uma quantidade exagerada de açúcar que, vertido de certa altura, produz espuma à superfície. Toda a sua preparação obedece a um ritual rigoroso, e percebe-se que os gestos são automáticos por terem sido repetidos vezes sem conta.
A abundante espuma é sinal de hospitalidade e de amizade. Um c
há servido com pouca espuma é encarado como uma grosseria. O Hassan diz que se lhe servirem um chá com pouca espuma verte-o na areia, por que é uma afronta.
Ria-se e chamava-lhe “le champagne du désert”.

Os touaregues têm um ditado que diz que “o primeiro chá t
em de ser forte como a guerra, o segundo doce como o amor, e o terceiro brando como o espírito”.
Ele contava que, ao contrário da sociedade islâmica, na sociedade touaregue é o homem
quem tapa a cara. O homem tem vergonha de a mostrar, e nem aos filhos o faz.
Come virado para o pano da tenda, de costas viradas para os demais, e só à noite poder
á a sua mulher conseguir enxergar a sua fisionomia.
Hoje este costume já não se aplica com rigor, mas os mais velhos ainda o cumprem na presença de estranh
os.
Perguntei como se reconhecem as pessoas. Diz-me que é através da estatura e das mãos e dos pés! Sem o conjunto da face, os olhos deixam de ser relevantes, além de que muitos usam óculos com armações espessas de massa.
Disse-me que conhece um ancião em Al Awinat que até hoje nunca
alguém lhe viu a cara!
Nesta sociedade a mulher é relativamente livre e tem capacidade de escolha do seu noivo. Poderá conhecê-lo no poço ou nas pastagens, e tem liberdade para conversar c
om ele. No entanto, tem de casar virgem se não o noivo anula o casamento, e a família da noiva tem de indemnizar o seu pai dos gastos do casamento e devolver todo o gado que recebeu como presente.
Os touaregues, um povo tradicionalmente nómada, habita o núcleo central do Sahara ao longo das fronteiras comuns dos Niger, Líbia, Mali e Argélia. Formam
uma comunidade com estreitas afinidade e solidariedade que remonta ao tempo em que a organização política era simplesmente tribal. Possuem uma língua e uma escrita comuns, o tamasheq, e têm liberdade para cruzar fronteiras sem restrições tal como viajavam outrora, sempre em busca de melhores pastagens.
Outrora, a sociedade touaregue compunha-se de nobres, homens livres, artesãos e escravos.
Os homens livres tin
ham os seus rebanhos e detinham património onde se contavam os escravos. Os artesãos trabalhavam o metal e a madeira, e as suas mulheres o couro e os tecidos. Esta classe vivia dependente da família de um homem livre, tal como antigamente os servos da gleba na Europa, mas recebia uma remuneração e gozava tempo de lazer, ao invés do escravo.
O pão touaregue é amassado sem fermento, ao contrário do que já provei noutras paragens do norte de África. A sua preparação é insólita: faz-se uma cova na areia que se enche de brasas, depois de a areia estar bastante quente, retiram-se as brasas e coloca-se a massa que se cobre com areia, e recolocam-se as brasas sobre esta areia. Ao fim de vários minutos o pão está pronto e escova-se a areia!
As tâmaras estão sempre prese
ntes pois são o fruto tradicional dos touaregues. Têm muitas calorias e conservam-se longamente.

Ghat

Ghat foi uma antiga cidade-oásis com grande importância para o comércio caravaneiro, e uma das raras urbes onde se estabeleceram e se sedentarizaram famílias de touaregues. Situa-se na fronteira com a Argélia, defronte de Djanet, num cenário admirável com um mar de enormes dunas a sude
ste, ao longe para leste o maciço de Akakus, e mais ao longe para oeste os montes Tassili n’Ajer na Argélia. Foi uma cidade parceira de Ghadamés como entreposto na rota das caravanas.
Visitei o mercado ao ar livre onde expõem co
merciantes vindos dos vizinhos Niger e Argélia tal como há séculos. No entanto, o tipo de produtos e de bancas não diferem muito dos das nossas feiras de aldeia. Claro que não faltava a banca de cd’s piratas debitando som com grande estrondo.
Fiquei estupefacto com a estatura dos negros desta região, homens e mulheres, altos, esp
adaúdos e elegantes. “São descendentes de antigos escravos”, explica-me o Hassan com simplicidade.
Os artefactos típicos desta região do Sahara são os tapetes touaregues kilims, jóias em prata a destacar os colares e brincos que incluem âmbar, coral, conchas, e os punhais cerim
oniais, roupa tradicional, cerâmica, artigos diversos em couro de dromedário, uma multiplicidade de artefactos usados e algumas interessantes antiguidades.
No estilo de Ghadamés, Ghat também tem uma cidade antiga, construída de adobe e com arq
uitectura de fortificação. Fundada no séc I aC, é um labirinto de vielas cujo urbanismo actual data do séc XII. A sua mesquita foi construída no séc X e tem uma arquitectura africana característica do Sudão. No centro eleva-se um terraço de onde se vigiavam os acessos à cidade, também o local onde se reuniam os notáveis e de onde se dirigiam ao povo.
Dominando-a do alto d
e um promontório situa-se o estreito e pequeno forte otomano, depois italiano. Daqui avistamos o verdejante palmeiral com as suas hortas e os bairros modernos. Dentro da cidade encontram-se algumas lojas de artigos tradicionais e de velharias.

Maciço de Akakus
É conhecido pelos seus enormes promontórios negros que se elevam acima da areia do deserto e pelas inúmeras gravuras e pinturas rupestres. Passámos um dia circulando nos grandes espaços entre rochedos, subindo e descendo dunas, em busca desta arte rupestre protegida pela Unesco e classificada Património Mundial.
As pinturas situam-se em cavernas e concavidades da rocha que os raios solares nunca atingem. Vi pinturas ainda coloridas, nomeadamente de encarnado, com figuras humanas, uma das quais chama-se “O Casamento” por estarem um homem e uma mulher juntos com as mãos tocando-se.
É interessante reparar nos detalhes das cenas de há cerca de 12000 anos quando esta região era arborizada e fértil. Vi gravados na rocha v
acas, girafas, elefantes, dromedários, leopardos, cabras bem como cenas de caça e de guerra, e caracteres tuaregues.

Leptis Magna

Situa-se a 120 km de Tripoli e foi fundada pelos fenícios no séc VII aC. Foi conquistada pelos romanos no séc II aC e viria a tornar-se na maior e mais rica cidade romana em África, o seu porto um dos mais movimentados do Mediterrâneo sul.
Aqui se embarcavam animais exóticos, produtos agrícolas (trigo, azeite), peixe seco e a multiplicidade de
mercadorias que chegavam nas caravanas que atravessavam o deserto, na rota que passava em Ghat e em Ghadames.
Esses tempos de esplendor estão reflectidos na monumentalidade da cidade onde se notam alguns excessos. Achei incrível a quantidade incalculável de arte que esta cidade encerra! Claro que só pude apreciar escultura e cantaria, mas a qualidade e a quantidade das obras são excepcionais. Aliás, falta conhecer o que ainda está soterrado. A
autoria da maioria dos restauros é italiana e pareceram-me adequados, aliás esta arte é originária do seu país.
Admire
i o grande arco de Septimus Severus, quadrangular com quatro passagens, revestido a mármore e muito esculpido, que marca o início da longa avenida ladeada de colunas que conduz ao porto.
Nesse caminho passamos pelos imponentes banhos de Adriano construídos em mármore. São dotados de grandes salões e piscinas, e no exterior abre-se um campo para d
esporto.
Muito próximo situa-se a basílica, um edifício de paredes maciças e intactas com uma envergadura imponente de 90m de comprido, repleto de obras de cantaria em calcário e em mármore que jazem no solo. Apr
eciei os mármores rendilhados com figuras humanas, vegetais e animais, um trabalho delicado que consegue chegar até nós praticamente intacto!
Do lado sul, situa-se o forum de Severo, um largo terreiro lajeado a mármore e cercado de colunas e de inúmeras estátuas. Noutra avenida que parte do arco, a avenida triunfal, passamos pelos arcos de Trajano e de Tibério para chegarmos ao mercado e ao chalcidicum que contém um templo e, mais adiante deparamos com o portão bizantino.
No mercado conservam-se as bancas de peixe com as medidas de comprimento ainda gravadas na pedra! Os poços e os chafarizes têm os bordos muito sulca
dos pelas cordas e pelos fundos das ânforas.
Vi as casas de banho públicas com longas lajes dotadas de orifícios em linha, sem separações ou resguardos, obrigando as pessoas a sentaram-se lado a lado, dando a ideia de que as discussões do forum se prolongavam neste recinto.

Muito perto eleva-se o
teatro com as suas bancadas de calcário para 5000 pessoas e a maioria das colunas ainda erectas.
Passeando à beira mar deparamos com obras de cantaria e colunas dentro de águ
a, cobertas de limos!
No regresso a Tripo
li ainda houve tempo para deambular no souk, o centro comercial tradicional semi-coberto, e para nos sentarmos na esplanada de um café egípcio e puxarmos umas fumaças de um narguilé.

Nota sobre Segurança

Nos tempos que correm não soa muito bem
passar férias na Líbia! Por que decidi então apostar neste destino?
Achei que o País gozaria de uma boa dose de exclusividade por ainda não ser muito procurado. Desde meados dos anos 80 que o País
viveu isolado da comunidade internacional e vigorou um embargo imposto pela ONU até 2006. Neste momento a Líbia está com um desejo enorme de abrir-se ao exterior em todos os campos, incluindo o turismo. Viajar na Líbia é uma experiência idêntica à de viajar-se em Marrocos ou no Egipto, mas com muito menos viajantes!
O País é mais conservador do que estes, vêem-se menos mulheres vestidas à ocidental e quase todas com os cabelos cobertos, mas também vi muitas mulheres conduzindo, até motas.
O álcool é proibido e possuí-lo é crime. Não há bares em Tripoli e a vida nocturna, após o fecho dos cafés, resume-se a circular a pé ou de carro em algumas avenidas exibindo as “máquinas” e os seus ocupantes. Em cada viatura são normalmente do mesmo sexo, excepto quando são casais (na mesma noite
passei por dois Porsche Cayenne!).
Abundam os cartazes de grandes dimensões com o busto de Kaddhafi e o anúncio dos seus 38 anos de chefia do País.
Não discuti política com os líbios pois achei o tema sensível, mas fiz perguntas e tentei perceber o que é o regime de escolha popular inventado por Kaddhafi.
No aeroporto de Sebha havia inscrições propagandístic
as, uma delas dizia “o regime popular de escolha directa aborta a democracia”.
Achei a Líbia tão ou mais segura do que Marrocos e desconfio que a polícia exerce maior controlo sobre a população.
No decurso dos cerca de 2000 km que percorri no País passámos dezenas de postos de controlo onde o nosso motorista tinha de entregar um documento. É uma autorização para empreender a viagem naquele itinerário da qual o guia tirava fotocópias regularmente… Contudo nunca vi um polícia verificar a matrícula das nossas viaturas!
Senti que o regime desconfia dos estrangeiros tomando-os por potenciais espiões.
Os hotéis só me devolveram o passaporte quando os abandonei.
Uma medida inofensiva que a polícia exige foi a de ter de entregar o passaporte a um funcionário da nossa agênci
a local para que o apresentasse no posto de polícia mais próximo no oitavo dia de viagem para verificar o visto.
O responsável desta agência informou-me que eles são responsáveis pela nossa “segurança” em todos os momentos em que permanecemos na Líbia. Por isso, que não poderia permitir o “dia livre em Tripoli” que é hábito no
s programas Rotas do Vento.
Achei Tripoli uma cidade muito pacata e, comparada com Marrakech ou o Cairo, uma aldeia!

28.05.07

terça-feira, abril 24, 2007

Sal e hipertensão


Há um ano medi a tensão arterial num aparelho de farmácia, dos que se mete uma moeda e ele faz tudo, e debita um papel impresso no final.
Assustei-me por que tinha a tensão arterial demasiado elevada!

Pus-me a rever os meus hábitos nos aspectos que os cardiologistas referem como críticos: exercício físico regular, tabaco, sal nos alimentos, colesterol (gorduras), obesidade, antecedentes familiares.
Apurei que o sal deveria ser o responsável, pois no restante estaria melhor colocado que a média da população.

Decisão: eliminei o sal da cozinha em minha casa.

Meses depois percebi que afinal nada havia de errado comigo mas que o aparelho da farmácia é que estava desregulado! Contudo, mantive o hábito de não usar sal na cozinha.

É como deixar de por açúcar no café: a desabituação dura três semanas bebendo um café intragável, depois não se entende como se pode andar a estragar o café com açúcar!

No que respeita ao sal é igual. Os legumes na sopa têm um sabor mais original e são mais gostosos! Relativamente à carne tenho-a condimentado mais com alho e cebola e com molhos, na maioria indianos.
Sábado passado li um artigo no Expresso, “Portugueses estão viciados no sal” de Margarida Cardoso, que não me surpreendeu e que me preocupou: os portugueses consomem o dobro de sal recomendado pela OMS que são 6 gr por pessoa por dia!
Estas conclusões resultam de um estudo, o AMALIA, patrocinado pela DG Saúde, que apurou que o português médio consome 12 gr por dia!

Os especialistas afirmam que a espécie humana necessita de somente 1 gr de sal por dia, e que basta deixarmos de usar sal nas nossas cozinhas para atingirmos os 6 gr por dia. Uma grande parte dos produtos que adquirimos têm um conteúdo excessivo em sal: pão, fumados, queijo, etc, e que até a água gaseificada tem sódio. “O sal é tóxico e cria dependência” afirmam.

No Reino Unido as autoridades já determinaram a redução de 10 a 20% do sal incorporado no pão, e que os efeitos esperados serão uma poupança de 7000 vidas por ano por cada grama de sal que se diminui na alimentação da população.

Elimine o sal da sua cozinha: faz bem e sabe bem…

Foto: Neuza

quinta-feira, março 29, 2007

Micro-finanças


Ontem li um artigo no Herald Tribune que me deixou muito positivamente surpreendido.
Trata-se da existência de uma organização, Kiva.org, com base em São Francisco que constituíu uma rede de relacionamento com dezenas de pequenas organizações locais de auxílio com o propósito de emprestar dinheiro para pequenos negócios.
Em 2006 o Prémio Nobel da Paz foi atribuído a Muhammad Yunus junto com o
banco Grameen de que foi fundador. O seu mérito é ter criado e desenvolvido durante mais de 30 anos a actividade de micro-crédito.
Ela consiste em emprestar pequenas somas de dinheiro a pessoas que nunca conseguiriam obter um empréstimo bancário por não terem garantias a prestar e por que nos seus países os bancos praticam usura.
Ajuda realmente todos os que têm capacidade de iniciativa e que são pessoas válidas com potencial para desenvolver um negócio, criar riqueza e empregar outras pessoas.

Acresce que nas sociedades subdesenvolvidas as mulheres são marginalizadas de forma crónica. Contudo, através desta rede elas são avaliadas com objectividade, o mérito do seu projecto, e tornaram-se em maioria na obtenção de empréstimos.

O genial da ideia é que os milhões de euros de ajuda externa desbaratados através dos canais governamentais corruptos e burocráticos, poderá passar a chegar intacto a quem mais precisa e a quem tem vontade e capacidade para trabalhar.
O sistema kiva.org é muito interessante pois cada pessoa pode enviar uma ajuda tão pequena quanto USD 25. O seu site na internet é claro pois identifica as pessoas necessitadas, o negócio a que se propõem e quanto lhes falta para completar o investimento.
Sempre suspeitei de ONG's desconhecidas e até de algumas conhecidas, mas o autor do artigo no Herald Tribune, Nicholas Kristof, relata como viajou no Paquistão e foi visitar dois comerciantes a quem emprestou dinheiro através de Kiva: um electricista com loja de reparações e um padeiro com forno a lenha. O relato é engraçado e convincente, e demonstra que esta organização é eficaz.
Clique na imagem para visitar kiva.org e contribua para minorar a pobreza no Mundo!